Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Um cenário mais
favorável está por vir

  LUIZ MARINHO - 16/09/2008

Entre a primeira rodada de reflexões de Nosso Século XXI promovida por LivreMercado em 2001, da qual também participei, e este segundo conjunto de ensaios, mudanças significativas ocorreram no País e no Grande ABC em particular. Hoje, a região tem diante de si cenário muito mais favorável do que naquele momento.

Na primeira edição, refletimos sob os difíceis anos de 1990. Nesta segunda, devemos olhar mais em perspectiva. Mais ainda: se na década anterior e, naquele período, no qual ainda vivíamos sob os ares carregados dos difíceis anos de 1990, conseguimos realizar um rico e frutífero processo de articulações, mobilizações e negociações — a partir de um inédito esforço de cooperação entre Poder Público, empresariado, sindicatos e outros segmentos da sociedade civil, sem que cada parte abrisse mão de princípios e concepções sociais distintas –, processo esse que, no final, amenizou os efeitos mais dramáticos da crise que se abateu sobre a região, por que agora não devemos estar mais otimistas quanto ao objetivo da melhoria da qualidade de vida da população e ao aumento da competitividade das cadeias locais de produção? Afinal, estamos diante da perspectiva de continuidade do crescimento econômico nacional, do apoio por parte do governo federal às nossas iniciativas de desenvolvimento e da provável eleição de executivos e legislativos comprometidos com uma gestão regional moderna.

De fato, a década de 1990 foi draconiana para o País. Para o Grande ABC, foi verdadeiro turbilhão. Entre 1990 e 1999, foram quase 180 mil postos de trabalho perdidos no setor industrial e centenas de empresas metalúrgicas, químicas, têxteis, de móveis, entre outras, encerraram atividades ou se transferiram para outras localidades. A região perdeu peso no total da indústria estadual e nacional. Vazios urbanos, galpões abandonados, expansão da marginalidade e aumento da violência urbana — tudo isso passou a fazer parte do cotidiano de nossas cidades. Foi grande a pressão sobre gastos públicos para atender a crise social que abateu os sete municípios, não obstante a perda de arrecadação.

No âmbito das empresas que se mantiveram no Grande ABC assistiu-se a intensa reestruturação, que combinou terceirização com novas tecnologias de produto e de processos (automação, just-in-time, células de produção, grupos de trabalho semiautônomos etc.) Se isso era necessário para manter a competitividade do parque industrial local, também é verdade que o resultado quase sempre foi a redução de postos de trabalho pela metade.

No plano macroeconômico, vivíamos sob as nocivas políticas do governo Fernando Henrique Cardoso em relação à indústria do Grande ABC. Nocivas porque, a um só tempo, viam qualquer política industrial como sinônimo de defesa de interesses corporativos e porque pregavam as livres forças do mercado como melhor condutor do desenvolvimento nacional. Observavam também com complacência a guerra fiscal. A região deveria apenas aceitar as novas tendências postas pela globalização e pelas mudanças na geografia da produção industrial.

Sindicatos aceitaram a modernização das
empresas a fim de impedir a selvagem
precarização total do trabalho

Apesar desse cenário extremamente duro, cercado de vetores adversos para a região, tivemos relativo êxito no enfrentamento. Institucionalmente, fomos capazes de estruturar o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos em 1990, o Fórum da Cidadania em 1994, a Câmara Regional do ABC em 1997 e a Agência de Desenvolvimento Econômico em 1998 — espaços que resultaram em acordos inovadores que visavam, em alguma medida, contribuir para a revitalização regional. Em nível das empresas, os sindicatos aceitaram a modernização de processos, desde que salvaguardados os empregos e preservadas as conquistas trabalhistas. Isso nem sempre foi possível, mas na maior parte das vezes impediu a face mais selvagem da reestruturação, que seria a redução ainda mais acentuada de postos e a precarização total do mercado de trabalho.

Fruto dessa postura ativa das organizações regionais — entre as quais o sindicalismo exerceu papel protagonista, não obstante a difusão ideológica de conceitos equivocados como “sindicalismo selvagem” ou “custo ABC” –, a região conseguiu evitar que o pior acontecesse. Basta lembrar de casos como o da Otis, que só não saiu de São Bernardo porque nos mobilizamos para, junto com o ex-governador do Estado Mário Covas, buscar soluções para sua permanência. Outro exemplo são as várias cooperativas de produção que constituímos a partir de equipamentos e instalações de empresas que decidiram encerrar atividades e transferir-se para outras localidades. Hoje a região é importante referência do novo modelo de gestão, que é a economia solidária.

O cenário cinzento acima descrito felizmente não está mais presente no momento em que escrevemos estas linhas. Dois fatores explicam o novo contexto. O primeiro é que a parte mais perversa da reestruturação já foi implementada pelas empresas. Não que devemos parar de nos preocupar com a competitividade e o aumento da produtividade do parque industrial local. Ao contrário, são imensos os desafios nesse aspecto. Mas, diante do que foi já feito, qualquer crescimento do mercado e da demanda somente poderá ser atendido hoje por meio de novos investimentos e contratação de mão-de-obra. Não é à toa que o ritmo de expansão do emprego no Grande ABC tem sido mais forte que em outras regiões.

O segundo e mais importante fator, que colaborou decisivamente para que o quadro econômico e social mudasse, foi com certeza a eleição do presidente Lula no final de 2002, que pôs por terra as mencionadas políticas agressivas contra a região. Após um primeiro ano de arrumação da casa, a gestão do presidente Lula — da qual passei a fazer parte primeiramente como ministro do Trabalho a partir de 2005 e depois como ministro da Previdência, entre 2007 e 2008 — exibe políticas e números inquestionáveis de crescimento econômico e geração de empregos. Desde 2004, a economia brasileira apresenta taxas expressivas de alta. O PIB cresceu 20% entre 2003 e 2008.

É inegável que o Grande ABC tem sido, desde o primeiro momento, apoiado pelo governo federal em seu esforço de revitalização. As primeiras iniciativas governamentais por si só se constituíram em marcos para a região. Refiro-me, entre outros, à decisão de expansão do pólo petroquímico, com investimentos que podem alcançar R$ 1,5 bilhão e, como consequência, gerar novas inversões em segmentos como o de plásticos.

Outro investimento com forte capacidade de difundir efeitos positivos sobre a economia regional foi o da Universidade Federal do ABC. Trata-se de clara sensibilidade do governo a um dos pleitos históricos da região. Com efeito, não era uma demanda nova. Por várias vezes foi colocada aos governos anteriores. O governo Lula não só decidiu pela criação de uma UFABC multicampi regional como estendeu também para Diadema um campus da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Ao sustentar o modelo de crescimento nas exportações e no crédito, a política industrial nacional beneficiou em grande medida o parque produtivo da região. Parte das indústrias exportadoras tem relações diretas ou indiretas com a região. Além disso, o modelo exportador não elimina mas reduz o problema das diferenças de custos salariais entre o Grande ABC e as novas áreas produtivas, porque a comparação passa a ser também entre os salários na região e outros locais de produção fora do Brasil. De resto, a produção do setor automotivo, núcleo do nosso parque industrial, tem sido beneficiada pela combinação de crescimento econômico, estabilidade de preços, queda da taxa de juros e aumento do crédito.

O nível de emprego na região dá sinais claros de recuperação. De acordo com a Rais-Caged do Ministério do Trabalho, entre 2002 e 2006, na primeira gestão do presidente Lula, o total líquido de empregos formais gerados no País foi de aproximadamente 4,7 milhões, dos quais 127,7 mil no Grande ABC. Somente em 2007, já na segunda gestão, o volume de novos empregos formais foi de 1,6 milhão em todo o País, 36,6 mil no Grande ABC. Como resultado, o número de desempregados na região, calculado pela Fundação Seade-Dieese, caiu de 234 mil em 1998 para 157 mil em 2008, mesmo tendo a população subido para mais de 2,5 milhões de pessoas.

Se tomarmos o contingente formado pelos metalúrgicos que trabalham em São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra (atual base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), o emprego, que havia caído de 159,2 mil em 1989 para 78.855 em 2002, voltou a subir desde então, atingindo 95,6 mil em 2007.

A expansão da produção e do emprego viabilizou também o início de um processo de recuperação de perdas dos salários. Dados do Dieese indicam que em 2002 apenas 25% das categorias profissionais pesquisadas pela instituição tiveram aumentos reais superiores à inflação. Em 2007, o número de categorias com aumentos acima do INPC foi de nada menos que 88%. Evidente que a recuperação tem efeitos não apenas junto às famílias dos trabalhadores assalariados, mas na ativação do próprio mercado interno.

Diferentemente da gestão anterior, o governo Lula não é avesso a políticas nas quais o Estado orienta o crescimento do setor privado. A mais clara evidência é o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), que representa a retomada do papel do Estado na economia brasileira. Para aumentar o investimento público e privado, na ordem de R$ 504 bilhões entre 2007 e 2010 em todo o País nas áreas de infra-estrutura econômica e social (transportes, portos e saneamento básico), energia e logística, o PAC estabelece incentivos tributários, linhas de financiamento e eliminação de burocracias. O Grande ABC é contemplado, entre outros, com investimentos no Rodoanel e em melhoria na qualidade de vida em áreas carentes como as favelas — que na região abrangem contingente nada inexpressivo de 20% do total da população.

Outro momento importante da relação federal com o Grande ABC é o lançamento em 2008 da PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), nome dado à segunda fase da política industrial do governo. A PDP tem três grandes objetivos: incremento do investimento e da capacidade produtiva (a meta é passar de R$ 450 bilhões em 2007 para R$ 620 bilhões ao ano em 2010), aumento da participação das exportações brasileiras no total do comércio internacional (a meta é elevar de US$ 160,6 bilhões em 2007 para US$ 208,8 bilhões em 2010) e incremento dos gastos em P&D no total do PIB (de R$ 11,9 bilhões em 2005 para R$ 18,2 bilhões em 2010). Com base nesses objetivos e metas, a PDP indica recursos, responsabilidades e cronogramas para 25 setores industriais, prevendo injetar R$ 250 bilhões entre 2008 e 2011. A indústria automobilística e a indústria de bens de capital estão contempladas.

No caso das automobilísticas, que sabidamente encontram-se no coração da estrutura industrial do Grande ABC, a meta de produção estabelecida na PDP é passar dos três milhões de veículos produzidos no Brasil em 2007 para 4,3 milhões em 2010 e cinco milhões em 2013. As medidas de incentivos do PDP, aliadas a outros programas que venham a promover investimentos na reciclagem de materiais veiculares — área em que a região poderia exercer papel de vanguarda –, abrem a perspectiva de uma reestruturação menos dramática para essa cadeia de produção tão essencial para nós.

Há ainda dois aspectos importantes relacionados à PDP que podem ser capitalizados em favor da revitalização de nossa região. Um é que, em sendo a inovação um dos objetivos centrais da PDP, o Grande ABC pode constituir-se em área de fronteira avançada em relação ao tema, na medida em que é palco de importantes centros de engenharia de produto e de processo. Esta é uma vantagem competitiva de que não podemos abrir mão. Assim, devemos explorar ao máximo os incentivos concedidos pela nova política, para potencializar tais setores.

Região poderia ser vanguarda em
reciclar materiais veiculares, assim
como em inovar a engenharia de produto

No que tange ao objetivo de incremento das exportações brasileiras no comércio internacional, o Grande ABC tem igualmente vantagens competitivas — como é o caso da proximidade com o maior porto da América Latina — que precisam ser mais bem aproveitadas. Portanto, precisamos atacar problemas estruturais como o de logística e da própria modernização do Porto de Santos.

Ainda no que tange à inovação, cumpre não subestimar a riqueza potencial contida no conhecimento dos próprios trabalhadores. Por estarem vivendo dia a dia cada detalhe do processo de produção e do trabalho, são verdadeiras fontes naturais de soluções para os problemas. Evidentemente, explorar esta fonte requer negociação de contrapartidas com os trabalhadores. Mas é exemplo de como um sindicalismo organizado e lúcido do papel de representação dos trabalhadores pode jogar decisivamente a favor de acordos.

Por tudo isso é que o cenário, se não é de céu de brigadeiro, também não é mais o da ferrugem. Estamos em processo de revitalização, que pode ganhar novos ventos favoráveis. Os desafios para o Grande ABC continuam grandes, mas agora estamos prestes a ter crescimento planejado, uma bússola que não nos deixe andar em círculos e sim para a frente, rumo a um efetivo desenvolvimento econômico e social.

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